Já li escrito que para perceber a "Abadia de Northanger" na totalidade, é necessário conhecer a obra de Ann Radcliffe "The Mysteries of Udolpho", uma vez que toda a obra de Jane Austen se baseia nela, satirizando e parodiando com os romances góticos, tão em voga naquela altura.
"The Mysteries of Udolpho" é o romance que a nossa heroína Catherine Morland devora avidamente ao longo da história. No fundo, é um romance dentro do romance. Como nunca li nem conhceço minimamente o enredo (e talvez não seja a única), procurarei dar a informação possível para uma leiga em romances góticos.
"The Mysteries of Udolpho" foi publicado em 1794 (Northanger Abbey foi escrito entre 1798 e 1799 e publicado em 1803).
A acção decorre em 1584 e conta-nos a história de Emily St. Aubert, uma jovem francesa que fica orfã depois da morte do pai. É um romance gótico, repleto de incidentes de terror, castelos sombrios, eventos sobrenaturais, vilões e uma heroína perseguida.
Emily é feita prisioneira num castelo após a morte do pai pelo Sr. Montoni, um criminoso italiano que casou com sua tia, Madame Cheron. Emily apaixona-se por Valancourt, um jovem conheceu numa viagem que fez com o pai à Suiça, todavia, o seu encarceramento afasta-a dele. No sombrio castelo de Udolpho onde está prisioneira, estão escondidos variados mistérios e um deles envolve o seu pai e uma Marquesa de Villeroi.
Esta é a cena em que os Thorpe convencem Catherine a ir com eles a Blaize Castle, rompendo o compromisso com Miss Tilney. Pois bem, Jane Austen escreve esta mesma cena e a adaptação segue de perto a pena da escritora. Contudo, não refere que, depois deste passeio frustrado (se bem se lembram, acabam por não visitar nada por falta de tempo), os Thorpe voltam a organizar tudo novamente depois de Catherine se explicar aos Tilneys por ter faltado ao compromisso, renovando a promessa. Mas desta vez Catherine não se deixa levar e insiste que não pode ir com os Thorpe e com o irmão. Acusam-na de ser obstinada. Thorpe, acaba por apresentar as desculpas de Catherine a Miss Tilney, dizendo-lhe que, afinal, Catherine já tinha um compromisso com eles e por isso iria faltar ao passeio com Miss Tilney. Quando Catherine sabe disto, corre imediatamente a casa de Miss Tilney para repor toda a verdade. E claro, acaba obviamente por ir passear com os Tilneys deixando os Thorpe "pendurados".
É uma cena que é importante para perceber a evolução de Miss Morland, mas também se entende que tenha sido suprimida, tendo em conta os 90 minutos de filme.
Jane Austen não escreve qualquer diálogo que se pareça com a cena abaixo indicada, aliás, na obra, enquanto leitores não nos é descrita qualquer cena de dança entre Cathy e Thorpe. Esta adaptação fá-lo. Jane Austen na obra, coloca Thorpe a prometer uma dança com Catherine deixando-a, à última da hora, sem par (por um qualquer negócio de cavalos), obrigando-a todavia, a rejeitar (com muita tristeza) Mr. Tilney por já ter um compromisso prévio.
No filme de 2007, Cathy e Thorpe dançam juntos e discutem o assunto predilecto de Catherine: livros - Thorpe aconselha-a "The Monk". No livro, este assunto é de facto abordado pela voz de Isabella numa conversa com Catherine.
Esta personagem, não sei bem porquê, nunca me chamou a atenção... Apesar do papel dela ser "importante" na medida em que é ela que leva as irmãs para a cidade e tudo se resolve para Marianne e apesar de trazer humor a este livro com o seu genro, nunca me marcou.
Mrs Jennings "... era uma viuva com um grande rendimento. Só tivera duas filhas, vivera o suficiente para as ver bem casadas, portanto nada mais tinha a fazer senão casar o resto do mundo...". Este desejo de casar levava a que, por vezes, se torne inconveniente e "cuscuvilheira", não com maldade mas muitas vezes desagradavel. Torna-se inconveniente quando quer saber quem ocupa o coração de Elinor e quandpo descobre o sentimento do Coronel Brandon por Marianne. Contudo, compadece-se verdadeiramente com Mariannne e com a história do "seu desamor".
Mrs Jennings "espelha" um pouco o que acho da maioria dos personagens em Sensibilidade e Bom Senso... personagens com bons e maus caracteres mas nenhum com "força". Mesmo Elinor apesar de "personagem central" e de convicções fortes "cala-se" perante as coisas com que não concorda e quando reage, a sua reacção assemelha-se a um conselho...
O diálogo entre Catherine e Mr. Tilney sobre a sua estadia em Bath, é colocado no filme durante a dança; originalmente, Jane Austen coloca-o aquando da introdução de Tilney a Miss Morland, antes, portanto, do convite para dançar. Se não me falha a memória, a conversa entre Tilney e Catherine durante a dança (que acontece na segunda dança) assenta na comparação que Tilney faz entre a dança e o casamento... um diálogo deveras interessante e tenho pena que esta adaptação não se tenha servido dele.
Eu não acredito que John Thorpe tivesse algum tipo de sentimento de enamoramento ou paixão por Catherine Morland que justificasse um assédio tão acentuado. Este assédio é tão intenso e despropositado que chega a ser irritante.
Então, o que terá despertado esta atitude? Apesar da inocência, da beleza e da candura que tornam Catherine encantadora, penso que a resposta reside em argumentos frívolos. A conveniência dela ser irmã do pretendente da irmã de Thorpe e uma suposta herança que os Allen lhe atribuiriam serão as duas respostas para esta questão. O assédio seria resultado desta busca pela conveniência e pelo dinheiro.
Não posso dizer que ele reconhecesse o risco que representava Mr. Tilney. Não o via como "concorrência" ao coração de Catherine. Acho que ele apenas o via como uma distracção a ser extinta, mas não com força suficiente para ofuscar o seu próprio brilho. Isto porque John Thorpe sempre agiu como se Catherine Morland fosse uma presa fácil e uma conquista garantida.
Se eu pudesse oferecer um presente a John Thorpe este presente seria um espelho. Um espelho bem grande. E um par de óculos. Talvez, assim, ele se enxergasse.