Eu vejo em Eleanor Tilney a encarnação das qualidades que uma boa amiga deve ter. Ela é uma personagem que passou por dificuldades na vida, apesar de provir duma família abastada é órfã de Mãe (da qual nem teve oportunidade de se despedir) vive com uma Pai cujo respeito lhe inspira medo e mesmo nestas ásperas circunstancias, às quais se alia a escassez de amigas da sua idade tem esta capacidade inata para a amizade, de certo criada de forma autodidacta, por inspiração de um coração e puro!
Eleanor é um exemplo de graça feminina, candura fragilidade e força em simultâneo e encarna as qualidades que uma amiga fiel deve ter.
É a verdadeira amiga de Catherine, não faz grande alarido, limita-se a estar lá e a ser, sem grande brilho aparente, um apoio para a heroína desta história.
Eleanor faz-me lembrar as pessoas realmente boas que encontramos na vida e das quais não nos apercebemos muito, pois, por o serem naturalmente e sem vaidade não sentem necessidade de o publicitar.
Apesar de todas estas qualidades penso que Eleanor é triste! Não revoltada, mas uma pessoa triste com a vida…
A espera é terrível. Uma antecipação constante daquilo que se crê ser uma chegada. Augusta Ferreira estava sentada numa velha poltrona, tão velha quanto ela. Sentada apenas, já sem capacidade sequer para recordar, para viver na mente a juventude extinta por um corpo gasto. Junto a ela, numa antiga cadeira de baloiço, que rangia melancolicamente quando ia e vinha, estava Júlia, uma sobrinha neta da qual dependia inteiramente. Júlia, "era bonita, inteligente" e herdeira de uma valiosa fortuna. "Além disso, tinha vivido quase" vinte e nove anos "neste mundo, com muito pouco que a afligisse e enfadasse". Era diligente, cuidadosa e carinhosa. Conversava horas a fio com a tia Augusta colocando na voz um tom alegre e optimista, desejando poder ressuscitar daquele corpo qualquer sinal ou nuance de vida. Era com tristeza e com muito pesar que assistia àquela espera mórbida da tia, a espera de ver chegar a morte.
Tinha na mão um livro que lia com prazer. Desde que para ali fora morar, há já três anos, para cuidar da tia enferma, percorrera a vastíssima biblioteca do segundo andar que pertencera ao tio-avô do qual ela pouco ou nada lembrava. Estudara até tarde, agora escrevia livros, dois deles romances e três ensaios sobre o "tio Eça". Naquela biblioteca encontrara base, inspiração e vontande para se dedicar à tese de Doutoramento em Estudos Queirosianos. E esta era a vida de Júlia, que para ali se mudara para dedicar o seu tempo à tia que a criara a si e à irmã Cecília.
Enquanto subia as escadas da velha casa da tia Augusta, com uma pilha de livros ao colo, recordava as férias de Natal que ali passara e de como ela e Cecília corriam escadas acima escadas abaixo, importunando tudo e todos mas espalhando por toda a casa, já na altura antiga, uma estrondosa alegria. A tia Augusta decidira, há mais de dez anos, mudar-se definitivamente para ali, abandonado a casa onde ela e Cecília tinham crescido, que estava agora fechada a sete chaves à espera de ser vendida. Ela preferia infinitamente a casa de Poiares, onde passara a infância, não só pelas imensas recordações, mas também porque agora dava valor ao facto de ser uma casa de apenas dois andares e poucas escadas para subir. Ali, tinha cinco lances de escadas pela frente até chegar ao quarto que ocupava no sótão.
Imersa nestes pensamentos dispersos, Júlia deparou-se com a porta do segundo andar entreaberta. Lá de dentro ouvia um rogaçar de caneta em papel. Subiu até ao quarto para se dedicar à tese, mas lembrou-se dos óculos que deixara lá em baixo e foi com um certo mau-humor que desceu para os ir buscar. A curiosidade, contudo, obrigou-a a parar no segundo andar, a caneta já não escrevia. Espreitou e viu Cecília encostada à janela. Que estranha melancolia era aquela... Cecília andava assim há uns tempos - ela via-o, mas a intimidade entre ambas dissipara-se e já não igualava aquela dos tempos de infância. Júlia não sabia o que dizer, não sabia o que fazer.
Mas o sofrimento em que estava mergulhado o coração de Cecília transparecia claramente por aquela imagem reflectida no vidro da janela. E embora Júlia tivesse, há muito, perdido a confiança da irmã, não podia deixar de ficar indiferente àquele estado de espírito tão sufocante. O mesmo sentimento de ânimo de que se servia para falar com a tia, foi o mesmo que sentiu e que, num impulso, a obrigou a colocar a mão na maçaneta e a empurrar a porta, para falar com Cecília, para lhe mostrar que estava ali e seria a sua eterna confidente. Mas depressa se perdeu, e num milésimo de segundo, a mão, que tão prontamente fora colocada na maçaneta, estava agora pousada no corrimão da escada e as pernas desse corpo, desciam lentamente, degrau a degrau, com passos perdidos e nos olhos desse corpo, duas lágrimas percorriam as faces rosadas. Júlia perdera muito com o seu egoísmo. Sim, ela sabia-o. E só ela conhecia o seu arrependimento.