Edward procura Elinor na Biblioteca. Isto acontece quando as Dashwood estão a arrumar os seus pertences e a preparar a partida de Norland. Esta é uma das cenas que eu considero perfeita nesta mini-série. Edward procura Elinor para se despedir dela. Ele não sabe muito bem como agir; meio constrangido, meio hesitante. Lemos em seus gestos o desejo de lhe revelar e de falar livremente sobre o que sente e sobre o que o retém. Ela, por seu lado, está expectante por uma declaração de sentimentos por parte dele. Hattie/Elinor parece que respira com dificuldade na ansiedade de ouvir-lhe as palavras esperadas. Os seus olhos estão fixos e brilham. Edward olha para todos os lados, não sabe que palavras usar e, por fim, entrega-lhe um livro de presente. Ele sai da biblioteca como quem foge de si mesmo. Elinor fica estática, estupefacta e surpresa.
Dan Stevens inicialmente apresenta-nos um lado tímido aliado à um certo ar de humor. É o irmão mais velho de Fanny que mostra, desde o início, o quão diferente é desta e, por consequência, da restante família. Ele revela-se despretensioso e reservado. Tudo nele é calma e simplicidade.
Conforme a história se desenvolve também verificamos a evolução que Dan Stevens confere ao personagem: a tranquilidade o abandona. Quando Mrs. Dashwood anuncia que ela e as filhas irão partir de Norland, a serenidade de gestos é substituída por frustração e também – à semelhança de Hattie/Elinor – uma postura de contenção. Frustração, contenção e hesitação. Parece que lemos em seus olhos: “o que vou fazer agora?”. Ele quer revelar o seu sentimento mas, ao mesmo tempo, tem que manter a sua palavra e o segredo. Há sofrimento e alguma revolta em todo este processo de contenção e de frustração.
Em tudo isto, Dan Stevens transporta-nos para dentro do coração de Edward. Revela-nos a sua angústia. Revela-nos a sua integridade. Revela-nos, inclusive, o quão semelhante ele é de Elinor: ambos sabem guardar um sentimento, respeitar um segredo e cumprir a palavra dada. Ambos têm capacidade de contenção, de sofrimento e de sacrifício.
Eu afirmei, no post anterior, que Dan Stevens selou o meu processo de reconciliação com Edward Ferrars. Para além de tudo o que tenho deduzido sobre Edward, ao longo dos anos e de muitas releituras, esta interpretação deu voz activa ao personagem e fez-me entender a dimensão de sofrimento de Edward. O resultado do trabalho feito em Sensibilidade e Bom Senso 2008 é, no fundo, resultado de uma dupla interpretação: do argumentista e do actor. Agradou-me esta dupla leitura. Agradou-me este Edward profundamente angustiado e em conflito com as suas próprias convicções. Sobretudo, agradou-me ver um Edward com um ar indiscutivelmente apaixonado.
Por tudo isto, acho que Dan Stevens – com a sua interpretação de Edward Ferrars – é o grande homem desta mini-série.
Em Sensibilidade e Bom Senso, Jane Austen escreve que Edward Ferrars:
“Não era bonito e os seus modos necessitavam de intimidade para se tornarem agradáveis. Era muito inseguro para fazer justiça a si próprio, mas quando vencia a timidez natural todo o seu comportamento mostrava que possuía um coração terno e bom. A educação dera solidez à sua inteligência.”
Em Sensibilidade e Bom Senso 2008, Edward Ferrars surge na história de maneira inusitada: ele chega no momento em Elinor está a bater os tapetes que Fanny teria mandado as empregadas limparem. Ele a cumprimenta com um tom brincalhão e bem-humorado. Sobre a chegada deste personagem o livro não revela muito e apenas diz o seguinte:“um jovem simpático e de boa aparência que lhes foi apresentado pouco depois da vinda de sua irmã para Norland”. Ao ver esta cena, fica-se com uma primeira impressão totalmente oposta àquela concebida por Jane já que ele não demonstra muita timidez. Por outro lado, também - temos que admitir - que o Edward Ferrars desta versão afasta-se do livro relativamente à aparência, já que é extremamente belo.
Apesar de tudo isto, eu adoro esta cena e também toda a interpretação de Dan Stevens. Esta cena cria de imediato uma química entre o casal Edward/Elinor. Embora pareça inicialmente que este Edward possa vir a ser alguém distante do original, acabo por pensar justamente o oposto. A timidez e a insegurança que são características da personalidade de Edward revelam-se gradualmente. O tom de voz, a sua postura corporal, os seus gestos, tudo isto denota uma maneira de ser pausada, tranquila e recatada. Um Edward Ferrars que não gosta de ser o centro das atenções, ou como diria Jane: “não tinha queda para grandes homens nem para grandes carruagens. Todos os seus desejos se centralizam no conforto doméstico e na calma da vida familiar”.
Edward/Dan passa-nos uma serenidade que adivinhamos na personagem criada por Jane Austen. O que me impressiona é que ele consegue conjugar todo este lado da timidez com um certo humor.
Devo dizer que Dan Stevens é outro actor que eu não conhecia até ver esta mini-série, e surpreendeu-me. Devo dizer que, junto com Hattie Morahan, é uma das interpretações de que eu mais gosto nesta produção. Aliás, ambos (Dan Stevens e Hattie Morahan) fizeram um casal extremamente convincente e apaixonante.
A prestação de Dan Stevens impressiou-me e veio selar o meu processo de reconciliação com Edward Ferrars.
Uma das coisas que me chocou aquando da primeira leitura de Sensibilidade e Bom Senso foi o facto das Dashwood ficarem praticamente sem um tostão. Jane Austen ajuda-nos a perceber alguma coisa, no entanto, não explica nos explica a razão de ser deste Direito de Propriedade na Inglaterra do século XIX. Pois bem, decidi puxar dos meus louros, sim, porque isto de andar há dois anos a ler calhamaços de Direito traz as suas vantagens, arregacei as mangas e tentei ir perceber qual a razão para que as filhas de Mr. Dashwood ficassem sem herança.
Jane Austen é clara, Mr. Dashwood foi, ele próprio, um herdeiro. Norland foi-lhe deixada em certos termos:
“The old Gentleman died; his will was read, and like almost every other will, gave as much disappointment as pleasure. He was neither so unjust, nor so ungrateful, as to leave his estate from his nephew; but he left it to him on such terms as destroyed half the value of the bequest. Mr. Dashwood had wished for it more for the sake of his wife and daughters than for himself or his son; but to his son, and his son’s son, a child of four years old, it was secured, in such a way, as to leave to himself no power of providing for those who were most dear to him, and who most needed a provision, by any charge on the estate, or by any sale of its valuable woods. The whole was tied up for the benefit of this child…”
No século XIX, o direito de propriedade inglês priveligiava o 1º filho na herança, sendo-lhe atribuída toda a propriedade - sistema do primogénito. Isto tinha uma lógica: evitar a divisão das propriedades, tornando-as mais fortes. Aos outros filhos, estavam destinadas profissões na Igreja, Marinha, Armada, Direito... Jane Austen mostra-nos isso claramente em Mansfield Park, podiam também herdar dinheiro. Quanto às filhas, estavam à total mercê do herdeiro, a quem cabia a decisão de ajudar ou não as irmãs - segundo percebi, não havia lei que as defendesse.
Todavia, no tempo de Jane Austen uma mulher podia herdar (desde que não houvesse herdeiros masculinos directos ou indirectos), no entanto não tinha poderes para dispor livremente da sua propriedade nem capacidade para fazer contratos - isto apenas se aplicava a mulheres casadas. Mulheres solteiras, ao atingirem a maioridade, aparentemente teriam os mesmos direitos que os homens no que toca a gerir propriedades - no entanto, pelo que percebi, não havia nada na lei que contemplasse esta posição, era uma analogia que se fazia.
Este sistema foi abolido em 1925.
Fontes: Puzzling Legal Nonsense in Austen's Sense and Sensibility (Laurel Ann) e Land, Law and Love (Luanne Redmond)
Este filme é a continuação do filme de 1998 "Elizabeth" que conta com a excelente interpretação de Cate Blanchett.
"Elizabeth já governa a Inglaterra há quase três décadas e, agora, depara com um grande inimigo: o Rei Felipe II da Espanha, que, sendo fiel à Igreja Católica, pretende derrubar a protestante Elizabeth e germinar o catolicismo no povo inglês de uma vez por todas. Entretanto, para atacar, Felipe precisa de um pretexto. Mantida prisioneira pelo trono inglês, a Rainha Mary Stuart da Escócia ajuda o rei espanhol e, em meio à intrigas e traições, trama uma emboscada para Elizabeth. Durante esses meses, a Rainha inglesa deixa-se impressionar pelas conquistas e aventuras do pirata Walter Raleigh"
É certo que "nuestros hermanos" são um tanto ou quanto ridicularizados, tanto pela fé radical no Catolicismo, enevoados pela sombra da Inquisição, como pela derrota. Os ingleses, nestas adaptações históricas, têm sempre tendência para se enaltecerem exageradamente, dignificando pouco a outra parte - lembro-me da série "The Tudors" em que a corte Portuguesa foi terrivelmente caracterizada em relação à beleza extraórdinária da corte Inglesa, cujos actores eram quase todos modelos de revista... enfim, é apenas um reparo e sim, talvez me sinta um pouquinho despeitada. No entanto, para quem viu o filme de 1998, que eu ainda vi em VHS (ihihih!), está é uma boa sequela para assistir num fim de tarde.
Comecei a ver este filme na televisão na altura em que ia desligar a mesma para ir dormir... impossível. Sentei-me e acabei por ficar presa a uma história com um argumento curioso e cativante, baseado na obra de Colette que toma acção na "Belle Époque".
Léa (Michelle Pfeiffer) e Chérie (Rupert Friend, de Orgulho e Preconceito) são dois amantes, no mínimo, estranhos, dada a posição de Léa e a tenra idade e inexperiência de Chérie. Só tarde de mais percebem quão profunda era a sua relação. E no meio de tudo isto está o grande dilema de Chérie entre Léa e Edmée (Felicity Jones, de Abadia de Northanger) a sua noiva e mulher; e também a "idade" de Léa que começa a perder o aspecto da sua gloriosa juventude e começa a ficar "velha"...
Como já devem ter percebido, o filme “Sensibilidade e Bom Senso” de 1995 é para mim especial. Foi com ele que descobri a maravilhosa obra de Jane Austen, mas também é nele que me baseio para interpretar as suas personagens.
Lucy Steel, a protegida por caridade, uma espécie de Jane Eyre mas em versão “sabida”, é uma das minhas favoritas. Embora a sua instrução e cultura deixem muito a desejar, é astuta, rápida e manipuladora, uma autêntica “raposa” que actua segundo os seus interesses. Mas não serão assim grande parte das personagens de Austen? Às vezes penso que estão divididas entre dois grupos: as aproveitadoras, que tudo fazem pensando em si; as abnegadas, que olham à ética e ao coração antes de tudo e principalmente de si próprias.
Lucy pertence ao primeiro grupo. Criada por um tio, conhece nesse ambiente Edward Ferras, que seduz (e se deixa seduzir, claro!) e do qual fica noiva. Um compromisso secreto que não agrada à família do jovem, já que trataria de ligar uma rapariga sem fortuna a um homem com bons rendimentos anuais e possível herdeiro.
Edward arrepender-se-á amargamente deste ímpeto de juventude, mas Lucy rapidamente resolve a situação, transferindo os afectos para o outro irmão, Robert Ferras. Mas isto só depois de Edward ser deserdado para benefício de Robert! Mesmo sendo considerado um acto de manipulação, acho que Lucy e o marido devem ter bastantes coisas em comum, pois reparem na cena do baile, em que ambos “coscuvilham” sobre a relação de Marianne e Willougbhy. Serão felizes para sempre (?).