(...) Tom parece estar pouco tempo em casa, ele era superficialmente agradável mas egoísta e extravagante - neste ponto ele parece encorajado pela sua posição enquanto filho mais velho e herdeiro de Mansfield Park - no entanto, ele também caiu em más companhias, companhias essas de homens igualmente egoístas, e que o pai tentou que ele se "escapasse" levando-o consigo para as Índias do Oeste (América). Ele precisava de um choque para aprender a lição (...).
Quanto a Maria e Julia, foram excessivamente mimadas pela indulgência e elogios da sua tia Norris (...) Com todos os seus talentos promisores e uma educação formal, é de estranhar que elas fossem tão deficientes nos conhecimentos básicos como o conhecimento do seu carácter, generosidade e humildade. Elas estavam admiravelmente bem ensinadas em tudo, menos no carácter. Sir Thomas não sabia o que era desejado porque, embora sendo um pai ansioso, não era completamente afectuoso, e as suas maneiras reservadas reprimiram o espírito dos filhos em frente do pai.
Depressa começou a compreender como pode ser desfavorável ao carácter dos jovens o contraste entre os dois diversos tratamentos que Maria e Julia haviam recebido em casa: a excessiva indulgência e lisonja da tia em oposição constante à severidade paterna. Viu quão mal ele raciocinara, supondo vencer o que havia de errado no sistema de Mrs. Norris pelo seu sistema oposto; viu claramente que não fizera senão aumentar o mal, ensinando-as a reprimirem-se na sua presença, mantendo-lhe desconhecidas as suas tendências reais, e entregando-as à indulgência de uma criatura que só seria capaz de as prender graças à cegueira de sua afeição e aos excessos de adulação.
A fuga de Julia era mais perdoável pois não envolvia adultério.
Pois bem! A minha cabeça já não se recordava, mas aqui está a explicação pela mão da própria Jane Austen no último capítulo de O Parque de Mansfield:
O facto de Julia ter tido melhor sorte que Maria, era devido, em grande parte, a uma favorável diferença de disposição e circunstâncias; porém era também devido a ter sido menos querida da tia, menos adulada e menos estragada. Sua beleza e prendas só lhe tigam valido um segundo lugar. Ela própria já se acostumara a considerar-se um pouco inferior a Maria. Entre as duas, o seu temperamento era naturalmente melhor; seus sentimentos embora vivazes, eram mais controláveis e a educação que recebera não lhe dera uma tão alta ideia de si mesma.
Recebera muito melhor o desapontamento que lhe causara Henry Crawford. Depois da primeira amargura e ao convencer-se de que fora tratada levianamente, conseguira pensar noutras coisas e esquecê-lo; e quando o convívio se reatou e a casa de Mr. Rushworth passou a ser frequentada constantemente por Crawford, ela teve o mérito de se afastar dele (...) Por essa razão fora para casa dos primos. O entendimento com Mr. Yates não tivera nada em comum com isso; ela vinha, há já algum tempo, a receber atenções vindas dele, porém, com pouca ideia de o aceitar, a conduta da irmã precipitara os factos e o seu crescente terror pelo pai e pelo regresso a casa, em tais circunstâncias, fê-la imaginar que as imediatas consequências do acontecido seriam um aumento da severidade e das restrições; por isso, procurou de qualquer modo e a qualquer risco evitar tais terrores que a ameaçavam; se não fosse isso, provavelmente Mr, Yates nunca teria obtido nada. Ela não fugira senão alarmada pelo próprio egoísmo: a fuga parecera-lhe a única solução. O crime de Maria provocara a loucura de Julia.
(...) Há uns dias, Professor Ellen Moody, publicou a sua opinião acerca da guionista Maggie Wadey's da recente adaptação de Mansfield Park (...). Eu sei que muitas pessoas não simpatizam com a versão de 2007 de Mansfield Park escrita por Maggie Wadey (...). Pela nossa rejeição imediata, acabamos por ignorar o que existe de interessante (...). Pensemos na interacção, na raiva intensa que parece estar prestes a explodir a qualquer momento - entre pai e filho mais velho. A noção de um temperamento sensível, incapaz e predisposto, demasiado dotado mas ao mesmo tempo controlado - que é maioritariamente a caracterização de Fanny feita por Austen, mas que aqui é transferido para Edmund. Fanny é apresentada estando subjugada em seu interesse, não pela sua natureza, nem pela venenosa tia Norris. Vê-mo-la como uma maria-rapaz no unício tal como em Northanger Abbey (...); Fanny também anda a cavalo instintivamente e não por algo que aprendeu, como acontece no livro e na adaptação de 1983. (...) Lady Bertram opta por se abster mas sentimos que ela seria capaz de se manter física e mentalmente se assim desejasse. (...)
Em O Parque de Mansfield, Jane Austen apresenta-nos três tipos diferentes de educação formal feminina. Dois desses tipos têm como objectivo o casamento, enquanto que o terceiro é, possivelmente, o mais próximo da educação masculina (com as devidas ressalvas). (...) Falamos dos tipos de educação de Maria/Julia Bertram, Mary Crawford e Fanny Price (...). Infelizmente, a educação das irmãs Bertram ensina-lhes praticamente nada, a de Mary não têm verdadeira subsistência debaixo da superfície. Contudo, a tímida Fanny Price, tem uma educação progressiva para a felicidade que alcança no final do romance.
No mundo de Jane Austen, a educação feminina é praticamente inseparável da sua casa. Aquilo que ela aprendia, e por conseguinte, a sua conduta, era um reflexo da vivência familiar, e isto é uma verdade no caso de Maria e Julia.
Maria, criada por um pai distante, uma mãe indolente e uma tia indulgente, só muito tarde (tarde de mais) aprende que as acções egoístas podem trazer consequências desastrosas. (O que se diz sobre Maria no que toca à educação, vale o mesmo para Julia (...). Sir Thomas arrepende-se da sua negligência no que toca à educação moral das suas filhas depois do sucedido irremediável com Maria (...).
Mary, criada sobretudo em Londres, tem dificuldade em ambientar-se ao conservadorismo do campo. A indulgência que recebeu da sua tia é de uma permissa mais aberta do que a das irmãs Bertram, o que se concluí pelo seu discurso sem reservas.
Como Fanny não considera Mansfield Park a sua verdadeira casa, ela não cresce egoísta como Maria (...) Além disso, a sua separação da família em Portsmouth permite que ela os idealize e por isso também não se apercebe do nível social inferior em que se encontram (...). Graças à sua mente, que é teimosa e ingénua, ela está livre das más influências de ambos os lares. (...)
Para Maria, a educação é um requisito que uma jovem mulher deve possuir por razões sociais, e não como apoio para a vida diária (...). Não lhe ocorre (...) encarar a educação como autodesenvolvimento ou como expansão da sua visão do mundo. (...) Podemos dizer que o único uso prático que ela faz da sua educação é para (ela e a irmã) se distinguirem da sua prima. (...)
Apesar de O Parque de Mansfield ser a obra pouco amada das leitoras de Jane Austen, encontrei alguns sites/blogues que analisam exclusivamente "Mansfield Park" e achei importante deixar aqui os links para, através deles, podermos aprender a ler O Parque de Mansfield.
(...) Estes pares de irmãs secundários servem, nos romances de Austen, para enfatizar a moralidade da heroína, ou para servirem de espelho dos seus defeitos. Em O Parque de Mansfield, contudo, o par hostil de irmãs surge como frente principal da história, a sua rivalidade, a sua inveja quase apagam a proeminência de Fanny e certamente, determinam e interrompem muita da sua história. (...) O potencial desconfortável acerca de como a relação entre irmãs pode existir na sociedade de Austen surge proeminente neste romance. Enquanto que noutros romances de Jane , o par pouco atractivo de irmãs contrasta com a heroína, em O Parque de Mansfield, as irmãs Bertram subordinam Fanny e a sua moralidade em contraste com os perigos que elas revelam inerentes à sua relação como irmãs. (...)
Desde a infância, Maria e Julia demonstraram através da sua rejeição de Fanny como potencial "irmã", que valorizam menos a relação entre irmãs do que aquilo que fazem crer. Fanny serve apenas para mostrarem à Mãe e à Tia Norris quão diferente ela é - "tão estranha e estúpida" - delas próprias (...) O valor do seu afecto mútuo enquanto irmãs está imediatamente subordinado ao valor promoverem as suas boas qualidades; mantêm Fanny num nível abaixo para poderem sobressair. Mas isto não se compara à escandolosa traição da relação das irmãs, que Maria e Julia exibem uma contra a outra quando se trata de romance e matrimónio. Cada uma delas não se preocupa minimamente em poder magoar os sentimentos da outra, desde que seja ela a preferida de Henry Crawford. (...)
As irmãs Bertram desenham uma triste e negra imagem neste romance de Austen. A sua história de traição e tragédia, dá relevo à história de Fanny, sempre paciente e com uma lealdade sempre testada e experimentada. (...) Fanny pode ser vistas como o contraste daquelas duas irmãs, revelando que Maria e Julia poderiam ter escolhido outro caminho se não fosse a sua rivalidade, pela qual optaram na busca de casamento. Através de Fanny vemos que a escolha das irmãs foi uma escolha de falha moral (...).