Se o único defeito de Sir Walter Elliot fosse a vaidade talvez eu não o recriminasse tanto.
Nos livros de Jane Auten podemos encontrar uma variedade de tipos de figuras paternais. Todos eles com maneiras específicas de ser e com diferentes formas de ser relacionar com os seus filhos e filhas. Em Persuasão, a meu ver, encontro o tipo paternal execrável. Sei que, dito assim, esta minha afirmação pode soar exagerada. Mas explicarei as minha razões.
Toda a pompa, circunstância e reverência das quais Sir Elliot se julga merecedor; toda a vaidade e presunção de seus gestos, palavras e atitudes seriam desculpáveis se ele se mostrasse ser efectivamente um pai carinhoso, presente e cuidadoso das suas três filhas. A única filha a quem ele dedica real afeição é Miss Elizabeth Elliot. Permitam-me dizer: tenho certeza de que isto acontece apenas porque ela é a versão feminina dele. Herdou-lhe a beleza, a vaidade e a presunção. O que constitui uma prova mais do que palpável da dimensão do seu egocentrismo.
"como era muito bonita, e muito semelhante a ele, a sua influência fora sempre grande e tinham-se dado os dois muito bem juntos. O valor das suas duas outras filhas era muito inferior"
Somente à Miss Elliot ele dedicava as suas conversas, "preocupações", passeios e decisões. Vemos, ao longo do livro, o desprezo com o qual ele olha para Mary - por se ter casado com alguém que ele julga inferior aos Elliot - e a total indiferença relativamente à Anne. Ela simplesmente não existe. Excepto, talvez, quando é necessário que alguém cumpra alguma tarefa desagradável. Mesmo na situação da possível união entre Anne e Frederick, Sir Walter nem sequer se dá ao trabalho de manifestar discordância.
"Sir Walter, quando foi solicitado nesse sentido, sem recusar, de facto, o seu consentimento, ou dizer que tal coisa jamais poderia acontecer, reagiu com todo o negativismo do grande espanto, da grande frieza, do grande silêncio e de uma resolução manifesta de não fazer nada pela filha"
A impressão que eu tenho sempre que leio "Persuasão" é a de que Sir Walter Elliot é um pai indiferente, frio e distante. Por vezes, sobressai mais o lado frio. Outras vezes, sobressai a indiferença. Mas o que me perturba mais é a sua indiferença. Não há nada pior que a indiferença. Tudo isto, estou convicta está na raiz dos defeitos e frustrações das filhas.
Sei que as filhas, cada uma da sua maneira, amavam o pai. É o que Jane transmite-nos. Mas eu, enquanto leitora, devo manifestar a minha repulsa por Sir Walter. Nunca lhe perdoarei a indiferença.
Nutri sempre um carinho especial por esta personagem e de certa forma, também alguma reverência. Mas parece-me inevitável que não surja a questão: Até que ponto a influência de Lady Russell sobre Anne quase destruiu a sua felicidade?
É indiscutível que a recusa de Anne à proposta de Wentworth oito anos antes se deveu, fortemente, à opinião negativa de Lady Russell. Mas creio que ela não pode servir de bode expiatório para as acções de Anne, e ela própria admite isso.
"Não culpava Lady Russell, não se culpava a si própria por ter seguido os seus conselhos"
Também é certo que, por pouco, Lady Russell não voltava a encaminhar Anne para um futuro menos seguro com Mr. William Elliot, apenas por uma questão de vaidade. Serão todas estas acções e interferências de Lady Russel desculpáveis? Qual o papel dela na história?
Antes de mais, comecemos por saber quem ela é. Lady Russell é uma viúva de longa data, velha amiga de Lady Elliot, com fortuna e que sempre se julgou que pudesse vir a ser a próxima Lady Elliot - embora, na minha sincera opinião, considere isso praticamente impraticável. Depois da morte de Lady Elliot ocupou um espaço "maternal" na vida de Anne e também das outras meninas Elliot, mas Anne é sem dúvida a sua predilecta. Sempre a encarei como detentora de grande generosidade e amizade. Tem qualidades que não devem ser menosprezada e tem falhas, sim, algumas. Mas é precisamente isso que a torna tão real.
"Ela tinha, porém, uma amiga muito íntima, uma mulher sensata e digna que ela tinha convencido, com a sua grande amizade, a vir vever perto dela, na aldeia de Kellynch; e Lady Elliot confiava sobretudo na sua genorosidade e nos seus bons conselhos para ajudar a manter os bons princípios e ensinamentos que ela transmitira empenhadamente às filhas"
"Esta amiga e Sir Walter não casaram, ao contrário do que as suas relações poderiam levar a supor (...). O facto de Lady Russell, uma mulher com maturidade de idade e de carácter e com uma situação económica extremamente boa, não pensar num segundo casamente, não necessita de qualquer justificação perante o público, o qual tende a ficar, absurdamente, mais descontente quando uma mulher volta a casar-se do que quando ela não se casa"
"Lady Russell gostava delas todas, mas era apenas em Anne que ela imaginava que a mãe pudesse reviver".
Sendo uma Senhora da Alta Classe compreende-se até certo ponto, alguns dos seus preconceitos - a propósito da união de Anne com Frederick; a importância dada às Darymple; o desejo da união de Anne com Mr. Elliot para a ver ocupar o lugar da mãe. E tal como Jane Austen refere, são preconceitos capazes de a cegar perante os defeitos de quem os possui - como ela faz com Mr. Elliot. Se, por um lado, parece ser uma má avaliadora de carácteres, por outro, sabe dar valor e reconhecer as qualidades das pessoas, o caso de Anne. Lady Russell é a única personagem do circulo familiar que tem o devido respeito por Anne e reconhece o seu valor e a sua integridade, e quase todas as vezes parece ser a única que se preocupa com o bem-estar de Anne.
"Era uma mulher bondosa, caridosa, amável, capaz de amizade fortes, com uma conduta extremamente correcta, severa nas suas noções de decoro e com maneiras que eram consideradas o padrão da boa educação. Ela possuía uma mente cultivada e era, de um modo geral, racional e coerente - tinha porém, preconceitos no que dizia respeito à linhagem: atribuía grande valor à posição social e à importância, o que a tornava um pouco cega em relação aos defeitos dos que as possuíam. "
Lady Russell é então uma amiga, uma confidente (até certo ponto), um ombro amigo uma influência e referência para Anne. Daí a importância que Anne atribui à sua opinião, porque temos de reconhecer que Lady Russell é uma pessoa de carácter íntegro e razoável embora tenha uma boa dose de orgulho que a tende a cegar. Mas não é uma influência maldosa, porque o que ela procura é o melhor para Anne. E da sua maneira é isso que a leva a ser tão dura em relação à união de Anne com Wentworth oito anos antes, para ela, tudo aquilo era uma grande imprudência. Eu sou de acreditar que na altura, ela não tinha consciência do verdadeiro amor entre ambos e achava aquilo uma paixoneta passageira. Podemos pensar, talvez se ele fosse Duque, filho de um Sir, isso não fosse relevante e ela consideraria que a "paixoneta" era um bom partido. Todavia, temos de admitir que, mesmo sem grandes preconceitos à mistura, a união era totalmente imprudente. Wentworth estava numa posição arriscada, estavamos no tempo das Guerras Napoleónicas e talvez, isto sou eu a supor, tanto ele como Anne tivessem de provar algo mais um ao outro, tivessem de garantir o seu amor pela constância no tempo.
"Sir Walter (...) achava que era uma união muito degradante; e Lady Russell, embora com um orgulho mais comedido e desculpável, considerava-a extremamente infeliz"
"Lady Russell via a situação de um modo diferente. O temperamente optimista dele e a sua ousadia de espírito funcionavam de um modo muito diferente nela. Ela via-os como uma intensificação do mal. Só tornavam o carácter dele ainda mais perigoso. Ele era brilhante, obstinado. Lady Russell gostava pouco de ditos espirituosos, e para ela, tudo o que se aproximasse da imprudência era um horror. Ela censurava a união sob todos os pontos de vista"
Confundir Lady Russell como uma vilã é um erro. Podemos gostar mais ou menos dela, mas é indiscutível, ela é o grande suporte de Anne e das poucas que, ao longo da história, sabe parar e perguntar, "como estás Anne". Se não lhe quiseremos chamar mãe substituta, temos ao menos de lhe dar o devido valor e de admitir que ela é uma Senhora com "S" grande, que funciona como um símbolo de forte independência da mulher e que é das personagens mais reais e corpóreas alguma vez criadas por Jane Austen.