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Jane Austen Portugal

O Blogue de Portugal dedicado à Escritora

DESAFIO | Bicentenário "Sense and Sensibility" #37

 Sense and Sensibility em Portugal 200 anos depois – I Parte - #1

 Leitura Comparada de Sense and Sensibility de Jane Austen nas traduções: 

“Sensibilidade e Bom Senso”  (Maria Luísa Ferreira da Costa) e “Razão e Sentimento” (Ivo Barroso) 


 

Introdução. Após a surpresa e a alegria inicias provenientes do convite da Raquel Sallaberry do Jane Austen em Portuguêspara este desafio, veio a fase de planeamento e a concretização de algumas etapas do programa delineado. Sobre a tarefa específica da Leitura Comparada confesso que senti algum pânico: o que posso eu dizer sobre isto? Como posso fazer uma apreciação sobre o resultado do trabalho de um especialista? Eu não sou tradutora. Estou bem longe deste ofício.

Não tenho a pretensão de fazer um estudo aprofundado e/ou académico. Assumi a certeza de que a minha leitura terá de ser a de alguém que ama três coisas: a língua portuguesa, a literatura e Jane Austen. O meu olhar será do ponto de vista do leitor. Uma irremediável leitora.

Ler Jane Austen, nos nossos dias, pode parecer um tanto deslocado. Ler escritores clássicos é, muitas vezes, visto como algo pouco atractivo e antiquado. Acredito que a genialidade ultrapassa a barreira do tempo. Se lapidarmos as circunstâncias e o contexto histórico entendemos que os sentimentos e as atitudes relatados são extremamente semelhantes aos da nossa contemporaneidade.

Gosto deste desafio que, por vezes, designo como um desafio lusófono.

 

Leitura Comparada. Esta primeira etapa da Leitura Comparada entre “Sensibilidade e Bom Senso” (tradução de Maria Luísa Ferreira da Costa) e “Razão e Sentimento” (tradução de Ivo Barroso) foi feita do Capítulo 1 ao 22. Não foi um percurso de um fôlego só. Tem sido uma gradual construção e um exercício de compreensão. É interessante confirmar que a língua portuguesa é multifacetada e que a sua expressão nos dois países (Portugal e Brasil) assume particularidades assinaláveis.

Optei por não demonstrar capítulo a capítulo as diferenças porque seria demasiadamente longo. O que faço é destacar algumas passagens que convidam à reflexão.

 

Uma mesma língua: significantes diferentes, significados iguais. Falamos a mesma língua mas a forma de expressão difere. A escolha e o uso das palavras para traduzirem determinado significado, pelos tradutores, são um exemplo desta diferença. Há expressões que são típicas e que, não sendo literais ao original, traduzem a ideia que o texto quer transmitir.

Coloco alguns exemplos deste tipo de situação:

 

 

 

 

 “uma articulação imperfeita das palavras, um desejo voluntarioso de fazer o que queria, muitas partidas* engraçadas e muito barulho” (Sensibilidade e Bom Senso, Capítulo 1, pg. 6) 

“uma articulação imperfeita, um persistente desejo de afirmar a sua vontade, muitas artimanhas astuciosas e uma barulheira infernal” (Razão e Sentimento, Capítulo 1, pg. 6)

*Dizer “pregar uma partida” em Portugal será o equivalente a “pregar uma peça” no Brasil; ou seja, o sentido é o de uma brincadeira inesperada. 

 

 

 

 

“A sua casa ficará portanto quase completamente recheada* logo que tomar posse dela”. (Sensibilidade e Bom Senso, Capítulo 2 , pg.12)

“Ela estará com a casa quase completamente montada quando se mudarem daqui.” (Razão e Sentimento, Capítulo 2, pg.12)

* A expressão “casa recheada” ou “com recheio” é quando ela está devidamente mobilada. Não é incomum aqui utilizar-se o termo “montada”, mas é mais usual dizer-se “recheada”.

 

Opções e dúvidasDeparo-me com algumas frases em ambas traduções que levantam-me dúvidas quanto ao resultado. 

 

 

“Lembra-te, minha querida, de que ainda não tens dezassete anos.” (Sensibilidade e Bom Senso, Capítulo 3,  pg. 16)

"Lembre-se, minha querida, de que você ainda não tem dezesseis anos.” (Razão e Sentimento, Capítulo 3 , pg. 16)

Questiono-me o porquê da tradução brasileira atribuir à Marianne uma idade diferente do original. Será que “you are not seventeen” possa implicar que Marianne não tenha especificamente 16 anos e que possa ter menos idade? Deirdre La Faye escreve que “they made their debut into society in their late teens” (La Faye, Deirdre; “Jane Austen – The world of her novels”, pg. 113) o que poderia significar que uma jovem debutaria entre os 17 e os 18 anos. Então faria sentido pensar que com esta fala, Jane Austen através de Mrs. Dashwood não está a indicar a idade exacta de Marianne.

 

 

 

 

 Margaret, como acompanhante de Marianne, com maior elegância que precisão, acalmou Willoughby, que viera cedo, na manhã seguinte à casa para saber pessoalmente como ela passava.”(Sensibilidade e Bom Senso, Capítulo 9, pg. 36)

O guardião de Marianne, título que Margaret, com mais elegância que precisão, atribuíra a Willoughby, apareceu na manhã seguinte bem cedo à porta do chalé para saber pessoalmente do estado dela.” (Razão e Sentimento, Capítulo 9, pg. 35)

Este foi o parágrafo que, ao longo destes 22 capítulos, levantou-me mais dúvidas. Não vos parece que o início da frase, em ambas as traduções, transmita um significado totalmente diferente entre si? Quando compara ambas com o original, as minhas dúvidas aumentam.

 

Em traços gerais, através destes breves exemplos pretendi destacar diferenças de expressão e as dúvidas que algumas passagens criaram em mim. Contudo, a aventura ainda está no início. Ainda há um longa caminho a percorrer nesta trilha do desafio do Bicentenário S&S e da Leitura Comparada entre "Sensibilidade e Bom Senso" e "Razão e Sentimento". Guardo a certeza de que as páginas ainda reservam muitos aspectos sobre os quais repousar os olhos, alargar a visão e surpreender-me com alegria pelas novas descobertas. Aproprio-me, com civilidade, de uma frase das cartas de Jane Austen para afirmar...

 

..."No, indeed, I am never too busy to think of S. and S.."

 

 

 

 

 

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