Explorando Tom Bertram #2
"de Tom não tinha Fanny de que se queixar, a não ser quando se dava a brincadeiras que um rapaz de dezassete anos julga admíssiveis com uma rapariga de dez. Estava agora a entrar na vida, cheio de espírito, com todas as prerrogativas de um filho mais velho, que pensa que só nasceu para gozar e gastar dinheiro. A sua amabilidade para a primita ressentia-se disso: dava-lhe bonitas prendas, mas ria-se dela."
Hoje vou explorar a relação de Tom com Fanny. Tom Bertram aparece poucas vezes na obra e ainda menos em diálogos com Fanny o que não facilita a tarefa. Tom tem mais sete anos que a prima. Percebemos que não lhe dá grande importância, mas também não o podemos julgar severamente.
Ao contrário da obra, as adaptações de 1999 (especialmente) e a de 2007 colocam Fanny no centro da acção aquando da doença de Tom. Isto não sucede no romance, onde Fanny acompanha a doença do primo por cartas enviadas para Portsmouth. Sou favorável a essa alteração feita por ambas as adaptações porque, ao mesmo tempo que mostram a dedicação de Fanny, mostram também a gratidão de Tom para com a prima - e isso enternece-me "enormemente".
Uma cena hilariante, mas também exemplo perfeito do desprendimento de Tom e da indiferença deste para com a prima, é aquela que transcrevo abaixo. A adaptação de 1983 retrata perfeitamente esta situação e tal como no livro, somos levados a soltar umas quantas gargalhadas.
"Tom Bertram, que saíra, entrava outra vez na sala. E embora a honra de ser convidada fosse um pouco improvável, Fanny pensou que isso podia acontecer. Ele dirigiu-se, com efeito, para ela mas, em vez de a convidar para dançar, puxou uma cadeira e contou-lhe como estava o seu cavalo doente e a opinião do criado. Fanny viu logo que não ia dançar.
Depois disto, ele tirou um jornal da mesa e, percorrendo-o negligentemente com a vista disse:
- Se quiseres dançar, Fanny, vou dançar contigo.
Com um pouco mais de delicadeza, o convite foi rejeitado.
- Ainda bem - disse ele mais animado, pondo de parte o jornal - porque estou cansadíssimo. Só me admiro denque haja pessoas que possam aguentar tanto tempo a dançar. É preciso que estejam todos apaixonados para se distraírem com tal disparate. E parece que estão; se olhares, verás muitos pares de namorados; todos, excepto Yates e Mrs. Grant. E esta, aqui para nós, coitada, deve precisar tanto de um namorado como qualquer das outras. Deve levar uma vida aborrecidíssima com o marido.
Tom disse isto sem reparar que o Dr. Grant estava perto; ao aperceber-se disso, mudou tão de repente de assunto, que Fanny não pôde conter o riso.
- Que acontecimentos estranhos se passam na América, Dr. Grant! (...)
- Meu caro Tom - disse-lhe a tia - como não danças, penso que não te importarás de jogar uma partida connosco pois não? (...)
- Teria muito prazer - disse ele, levantando-se - mas agora vou dançar. Anda depressa Fanny (pegando-lhe na mão), não te demores, senão acaba a música. Fanny ficou satisfeita, mas era-lhe impossível sentir-se grata com o primo, que apenas resolvera dançar com ela para se libertar da maçada do jogo."
Não podemos afirmar que Tom seja um grande amigo de Fanny. No entanto, como já aqui disse, acho simpática a solução dada pelas adaptações em relação à prévia indiferença de Tom para com Fanny. Acredito que ele se redimiu e soube dar o devido valor à prima.