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Jane Austen Portugal

O Blogue de Portugal dedicado à Escritora

A figura materna "atipica" em Jane Austen: o caso de Lady Russell

Fonte: Lisahea.com

Embora o tema em destaque seja a "figura materna em Sensibilidade e Bom Senso", não posso deixar de falar na minha figura materna predilecta de toda a obra de Jane Austen - Lady Russell - pelo facto de ser uma personagem atipica e pela riqueza que encerra enquanto "mãe" e amiga, bem diferente das da obra em análise. É a contraposição da ingenuidade e dos excessos das figuras maternas de S&S, com a razão e o calculismo (embora discutíveis) em "Persuasão".

Embora não o sendo de facto, Lady Russell é uma grande amiga de Anne Elliot, a figura mais próxima que tem de uma mãe. Tendo esta morrido quando Anne era jovem, Lady Russell torna-se numa presença constante na sua vida, à qual recorre como confidente. Embora não seja explicita esta ideia, é a isso que se é levado a crer quando se percebe a grande influência que tem sobre Anne, tendo-a persuadido a rejeitar o capitão Wenthworth, quando era ainda um pobre marinheiro, aspirante a uma carreira de prestigio na marinha, mas sem contactos nem fortuna.

 

Lady Russell encerra em si uma personagem ambígua. Por um lado é-se levado a pensar que a sua influência sobre Anne se reveste de uma ingenuidade maternal, levando-a a traçar determinados rumos em prol da sua sincera felicidade. Fará e dirá aquilo que todas as boas mães fariam e diriam. Mas por outro, não se pode deixar de pensar que talvez o propósito das decisões induzidas na sua jovem amiga, mais não serão do que puro capricho, baseado em preconceitos contra determinado tipo de pessoas e classes sociais mais desfavorecidas. Este duplo entendimento voga mais num sentido ou noutro, sempre que se relê a obra, pois Jane Austen faz questão de deixar a dúvida no ar.

 

Pessoalmente creio que a primeira grande motivação de Lady Russell será a busca da felicidade para Anne, embora isso não invalide que por vezes incorra no conselho menos correcto. Todavia penso que paira ao longo da história a tensão provocada pela diferença de origens, de classes, assim como uma certa antipatia pela marinha, a qual permitia a ascensão financeira e social de indivíduos “sem berço”. De qualquer forma é absolvida no final, quando Anne recupera o amor de Wentworth. Como boa amiga que é, e apesar de todos os preconceitos, penso que terá ficado feliz por perceber que Anne encontrou o caminho certo para ser feliz.

Personagem Feminina Secundária Preferida

  • Lady Russell

 

Já aqui expressei várias vezes as admiração por Lady Russell. Adoro-a mesmo com os seus tendenciosos defeitos. Sempre a encarei como uma personagem real, igual a muitas que encontramos na nossa vida.

 

Não duvido da sinceridade da sua amizade por Anne nem por um minuto. Sim, ela é conservadora, possui preconceitos de classe... mas ao mesmo tempo, é detentora de uma grande inteligência e de uma independência invejável. 

 

Vejo-a como a minha Emma com uns anos em cima!

Emma e Lady Russell, parentes?

Uma vez dei por mim a imaginar uma versão madura de Emma Woodhouse solteira e quem me veio à mente foi uma Lady Russell. Digo isto por ambas terem a tendência (benévola, mas cujas consequências tendem a ser catastróficas) de interferir na esfera romântica e íntima daqueles que as rodeiam; ambas têm um certo “orgulho de classe”; ambas são detentoras de grande fortuna; e se Emma nunca tivesse casado, ou tivesse enviuvado precocemente (até me custa escrever isto!) creio que seria provável encontrarmos nela um carácter mais maduro, mais culto, ainda mais refinado e com uma forte componente de independência – o que a tornaria numa “parente” próxima da minha tão querida Lady Russell. E vocês, que vos parece?

 

 

Lady Russell, Uma Vilã Disfarçada?

 

Nutri sempre um carinho especial por esta personagem e de certa forma, também alguma reverência. Mas parece-me inevitável que não surja a questão: Até que ponto a influência de Lady Russell sobre Anne quase destruiu a sua felicidade?

É indiscutível que a recusa de Anne à proposta de Wentworth oito anos antes se deveu, fortemente, à opinião negativa de Lady Russell. Mas creio que ela não pode servir de bode expiatório para as acções de Anne, e ela própria admite isso.

 

"Não culpava Lady Russell, não se culpava a si própria por ter seguido os seus conselhos"

 

Também é certo que, por pouco, Lady Russell não voltava a encaminhar Anne para um futuro menos seguro com Mr. William Elliot, apenas por uma questão de vaidade. Serão todas estas acções e interferências de Lady Russel desculpáveis? Qual o papel dela na história?

 

Antes de mais, comecemos por saber quem ela é. Lady Russell é uma viúva de longa data, velha amiga de Lady Elliot, com fortuna e que sempre se julgou que pudesse vir a ser a próxima Lady Elliot - embora, na minha sincera opinião, considere isso praticamente impraticável. Depois da morte de Lady Elliot ocupou um espaço "maternal" na vida de Anne e também das outras meninas Elliot, mas Anne é sem dúvida a sua predilecta. Sempre a encarei como detentora de grande generosidade e amizade. Tem qualidades que não devem ser menosprezada e tem falhas, sim, algumas. Mas é precisamente isso que a torna tão real.

 

"Ela tinha, porém, uma amiga muito íntima, uma mulher sensata e digna que ela tinha convencido, com a sua grande amizade, a  vir vever perto dela, na aldeia de Kellynch; e Lady Elliot confiava sobretudo na sua genorosidade e nos seus bons conselhos para ajudar a manter os bons princípios e ensinamentos que ela transmitira empenhadamente às filhas"

 

"Esta amiga e Sir Walter não casaram, ao contrário do que as suas relações poderiam levar a supor (...). O facto de Lady Russell, uma mulher com maturidade de idade e de carácter e com uma situação económica extremamente boa, não pensar num segundo casamente, não necessita de qualquer justificação perante o público, o qual tende a ficar, absurdamente, mais descontente quando uma mulher volta a casar-se do que quando ela não se casa"

 

"Lady Russell gostava delas todas, mas era apenas em Anne que ela imaginava que a mãe pudesse reviver".

 

Sendo uma Senhora da Alta Classe compreende-se até certo ponto, alguns dos seus preconceitos - a propósito da união de Anne com Frederick; a importância dada às Darymple; o desejo da união de Anne com Mr. Elliot para a ver ocupar o lugar da mãe. E tal como Jane Austen refere, são preconceitos capazes de a cegar perante os defeitos de quem os possui - como ela faz com Mr. Elliot. Se, por um lado, parece ser uma má avaliadora de carácteres, por outro, sabe dar valor e reconhecer as qualidades das pessoas, o caso de Anne. Lady Russell é a única personagem do circulo familiar que tem o devido respeito por Anne e reconhece o seu valor e a sua integridade, e quase todas as vezes parece ser a única que se preocupa com o bem-estar de Anne.

 

"Era uma mulher bondosa, caridosa, amável, capaz de amizade fortes, com uma conduta extremamente correcta, severa nas suas noções de decoro e com maneiras que eram consideradas o padrão da boa educação. Ela possuía uma mente cultivada e era, de um modo geral, racional e coerente - tinha porém, preconceitos no que dizia respeito à linhagem: atribuía grande valor à posição social e à importância, o que a tornava um pouco cega em relação aos defeitos dos que as possuíam. "

 

Lady Russell é então uma amiga, uma confidente (até certo ponto), um ombro amigo uma influência e referência para Anne. Daí a importância que Anne atribui à sua opinião, porque temos de reconhecer que Lady Russell é uma pessoa de carácter íntegro e razoável embora tenha uma boa dose de orgulho que a tende a cegar. Mas não é uma influência maldosa, porque o que ela procura é o melhor para Anne. E da sua maneira é isso que a leva a ser tão dura em relação à união de Anne com Wentworth oito anos antes, para ela, tudo aquilo era uma grande imprudência. Eu sou de acreditar que na altura, ela não tinha consciência do verdadeiro amor entre ambos e achava aquilo uma paixoneta passageira. Podemos pensar, talvez se ele fosse Duque, filho de um Sir, isso não fosse relevante e ela consideraria que a "paixoneta" era um bom partido. Todavia, temos de admitir que, mesmo sem grandes preconceitos à mistura, a união era totalmente imprudente. Wentworth estava numa posição arriscada, estavamos no tempo das Guerras Napoleónicas e talvez, isto sou eu a supor, tanto ele como Anne tivessem de provar algo mais um ao outro, tivessem de garantir o seu amor pela constância no tempo.

 

"Sir Walter (...) achava que era uma união muito degradante; e Lady Russell, embora com um orgulho mais comedido e desculpável, considerava-a extremamente infeliz"

 

"Lady Russell via a situação de um  modo diferente. O temperamente optimista dele e a sua ousadia de espírito funcionavam de um modo muito diferente nela. Ela via-os como uma intensificação do mal. Só tornavam o carácter dele ainda mais perigoso. Ele era brilhante, obstinado. Lady Russell gostava pouco de ditos espirituosos, e para ela, tudo o que se aproximasse da imprudência era um horror. Ela censurava a união sob todos os pontos de vista"

 

Confundir Lady Russell como uma vilã é um erro. Podemos gostar mais ou menos dela, mas é indiscutível, ela é o grande suporte de Anne e das poucas que, ao longo da história, sabe parar e perguntar, "como estás Anne". Se não lhe quiseremos chamar mãe substituta, temos ao menos de lhe dar o devido valor e de admitir que ela é uma Senhora com "S" grande, que funciona como um símbolo de forte independência da mulher e que é das personagens mais reais e corpóreas alguma vez criadas por Jane Austen.

As melhores Amigas (III)

 

Pensei muito sobre quem poderia ser uma "grande amiga" para Emma. Verifiquei que de todas as outras heroínas de Jane Austen, nenhuma me parecia capaz de gostar de Emma. Creio que Elinor a acharia superficial e mimada; Marianne, detestável e presunçosa; Lizzie, insuportável; Catherine e Fanny apenas a suportariam por ingenuidade; Anne, considerá-la-ia infantil.

 

No entanto, ao rever o filme de 2007 de Persuasão, reparei que Lady Russel podia muito bem ser uma versão daquilo em que se tornaria Emma se não existisse um Mr. Knightley. Aliás, é a própria Emma que nos diz que não pretende casar e ser uma tia rica solteirona. Creio que com os anos, Emma podia muito bem tornar-se numa Lady Russel, também esta tão disposta a aconselhar a afilhada em matéria sentimental.

 

Uma boa associação ou nem por isso?

 


A Amizade de Lady Russell

 

Confesso que considero Lady Russell uma das grandes criações de Jane Austen. Ela faz, simultaneamente, o papel de mãe e o papel de "boa vilã". Nunca considerei que o que ela fez, isto é, que o conselho que deu a Anne, tenha sido mal intencionado... e creio que Jane Austen tinha também essa intenção, mostra-o por várias vezes. A amizade de Anne por Lady Russell nunca fraquejou, até porque Lady Russell é das poucas personagens com quem Anne parece estar ao mesmo nível e se considera como igual.

 

É certo que os conselhos de Lady Russell não são bons de todo, que Lady Russell tem uma visão algo preconceituosa, ainda que bem menos que Sir Eliot. E acima de tudo, é a única personagem que sabe valorizar a nossa adorada Anne e que vê nela um poço de bom senso e inteligência que nenhum dos outros consegue ver.

 

 

Esta é daquelas personagens que acredito que possam existir na realidade, porque nós nem somos todos bons, nem todos maus, nem estamos sempre certos ou sempre errados - Lady Russel parece real.

 

Não sei se Wentworth chegou algum dia a gostar dela, mas tenho quase a certeza que Lady Russell sobre "engolir" os seus argumentos, e admitir que Anne era feliz ao lado dele, porque Lady Russell é uma Senhora com "S" grande.

 

 

 

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Gostas de Lady Russel?
Sim, imenso. Mais ou menos. Nao, ela destruiu a felicidade de Anne