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Jane Austen Portugal

O Blogue de Portugal dedicado à Escritora

Fanny Price e as oportunidades desiguais

 

 

Confesso que Fanny Price é uma personagem de quem gosto muito e na qual reconheço ao longo da obra Mansfield Park uma constância de comportamento ético e moral que lhe dão cor e a tornam sempre a mais sensata e ajuizada das personagens. Não obstante, existem situações muito irritantes e injustas para Fanny (sobretudo por parte da tia Norris que parece, não uma tia, mas uma madrasta e daquelas bem malvadas!) que nos levam por vezes a sentir que deveria haver por parte da nossa Fanny uma tomada de atitude, uma recusa em aceitar a situação existente, enfim, uma qualquer prova de revolta ou afirmação pessoal.

Mas essa é a nossa opinião, à luz da época atual. Não podemos esquecer que a situação de Fanny nos alvores do século XIX era a de uma pessoa que vivia uma vida emprestada, cujos direitos na casa Bertram não eram iguais aos dos outros, havendo sempre ali presente a marca de uma certa bondade que era prestada pelos mais ricos e poderosos e para quem se esperava que a resposta fosse sempre a de agradecer tudo e ser humilde, silencioso e subserviente.

 

E assim, Fanny é mandada para a casa rica dos tios com dez anos, fazendo uma longa viagem sozinha, sendo arrancada aos seus irmãos e irmãs com quem tinha um bom relacionamento (sempre achei que a família Bertram, se era assim tão rica, deveria ter ajudado todos os irmãos de Fanny, já que assim haveria necessariamente desigualdades na educação e nas oportunidades… há ajudas ao mais velho, William, e no final da obra, a outra irmã, Susan, mas e aos outros? Ficamos sem saber o que lhes aconteceu, dadas as características desmazeladas do pai e da casa em geral. Naturalmente que temos a possibilidade de especular, o que seria um tema muito interessante para uma shortstory…)

 

Quando Fanny chega a casa dos tios sente-se naturalmente inibida e envergonhada, o que não é de estranhar, pois é uma criança com uma grande sensibilidade e que vem de um ambiente completamente diferente. Caberia aos adultos e aos primos pô-la à vontade e dar-lhe oportunidades, mas isso não acontece. Com exceção de Edmond – o grande amigo e apoiante de Fanny desde o início – todos os outros assumem atitudes e posturas críticas, embora se diga que os primos se portaram bem e a receberam o melhor que puderam. O facto é que todos se manifestam prematuramente, uns sentindo-se dececionados com a sua timidez, outros ridicularizando-a pelo seu aspeto e pela pobreza do seu vestuário.

Se Fanny se refugia para chorar nos primeiros tempos em Mansfield, a responsabilidade é toda dos elementos da sua família que não a entendem nem se conseguem pôr no seu lugar, esperando dela um comportamento impossível para uma criança com aquela sensibilidade e naquelas circunstâncias.

 

Sempre me impressionou a incapacidade das primas Bertram, Maria e Júlia, em tornar-se amigas de Fanny. Ao longo da obra perpassa a desigualdade de oportunidades que é esperada, onde as primeiras têm sempre um lugar de princesas enquanto Fanny mais parece uma cinderela enviada para um canto, cuja função é a de permanecer na sombra, sendo apagada, eternamente pisada e humilhada, muitas vezes de uma forma que é indireta mas visível. A tia Norris lembra-lhe sempre que não deve esquecer o seu papel de emprestada, a tia Bertram espera naturalmente e com egoísmo que Fanny lhe faça companhia, esquecendo-se das motivações e interesses que a própria pode ter. Quanto ao tio, sir Thomas, sendo uma figura que a intimida, aprecia-a pela discrição e pelo juízo.

Dá a impressão que, caso houvesse alguma atitude irreverente ou inusitada por parte de Fanny, a mesma jamais lhe seria perdoada! Esse facto é notório no caso da peça de teatro em que todos participam, menos Fanny, que sempre se manifestou contra esse acontecimento e a forma como o tio, ao regressar de viagem, reage ao constatar tal facto.

E assim temos desde o início da obra uma Fanny precocemente crescida que aprende a medir muito bem todas as situações que vive e as palavras que diz, movendo-se com cuidado entre pessoas que não lhe reconhecem os mesmos direitos que elas próprias têm.

 

Quanto às relações de Fanny com os próprios pais, há uma oscilação entre as saudades que manifesta no início da obra e o distanciamento ou mesmo a vergonha, sobretudo com os comportamentos do pai, quando os volta a visitar, muitos anos depois. Nessa altura, há um desconforto notório por parte de Fanny que já se se sente como pertencente àquele lugar após tantos anos a viver com outras pessoas e noutro lugar diferente.

 

E assim, é ironicamente Fanny quem vale aos tios no final da obra, acompanhada pelo seu grande amor, Edmond – após os percalços da paixão desadequada que o mesmo manifestou por Maria Crawford… - e também pela irmã, Susan, chamada a preencher o lugar de Fanny junto dos tios. Quanto aos outros irmãos e irmãs de Fanny, além de William que desenvolve a brilhante carreira na marinha, como já disse, também gostaria de os ver longe do ambiente familiar de origem, embora também não os veja em Mansfield Park…

 

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