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Jane Austen Portugal

O Blogue de Portugal dedicado à Escritora

Lost in Austen #16

Cecília fechou os olhos e sentiu-se adormecer.

- Nunca deixarei de te amar. És a mulher que sempre procurei e quis - era Henrique quem a observava com carinho e lhe dizia estas palavras - Nunca te vou deixar. Nunca me deixes - pediu.

 

Cecília quase gemeu, evitando um soluço. Estavam os dois em Paris, sentados numa esplanada junto aos Campos Elísios. Sorriu e pensou que estava tudo bem, que tudo estava resolvido. Já não existia Eduardo e as suas maquinações sórdidas, nem Bárbara e a sua arrogância e futilidade. Apenas eles e o seu amor que vencera aqueles obstáculos.

 

Sorria agora, com a cabeça apoiada  no ombro de Henrique, segura nos seus braços e sentindo-o sólido e relaxado nos seus. Abriu os olhos devagar, aspirando o cheiro dele que adorava. Todavia, assustou-se com a visão à sua frente. O sorriso desvaneceu-se dos seus lábios e a tensão e melancolia voltaram ao seu rosto. Não estava nos braços de Henrique. Sonhara. Sonhara com um tempo feliz, um ano atrás, no mesmo lugar para onde se dirigia agora. Paris, a cidade do amor, que era agora para ela apenas mais uma cidade... cheia de recordações que era agora obrigada a esquecer.

 

Com o desgosto espelhado no olhar e tentando controlar o coração que batia descompassado, olhou à sua volta apenas para se descobrir na realidade, no ambiente fechado da cabine do avião que a levava a Paris, sem o cheiro de Henrique. Olhou através da minúscula janela para o céu imenso pontilhado por pequenos pedaços de algodão branco. O sol brilhava e ela ia para Paris. Mas não existia alegria nela; apenas amargura e tristeza. A jovem mulher que viajava ao seu lado, sentada na coxia, mexeu-se e tossicou, distraída na leitura de um livro. Cecília observou-a discretamente e a sua atenção prendeu-se no livro que ela lia.

 

"Frederick Wentworth usara tais palavras, ou outras semelhantes, mas sem nenhuma ideia de que elas lhe seriam transmitidas. Achara-a tristemente mudada e, no primeiro momento em que tinha sido interrogado, dissera o que sentia. Não perdoara a Anne Elliot. Ela maltratara-o, abandonara-o e decepcionara-o; e, pior ainda, ao fazê-lo demonstrara uma fraqueza de carácter que o seu temperamento decidido e confiante não podia suportar. Renunciara a ele para condescender com outros. A sua atitude fora o resultado de excessiva persuasão. Tinha sido fraqueza e timidez".

 

"Persuasão" de Jane Austen, reconheceu Cecília, desviando o olhar ao ver que a sua companheira de viagem notava, com um sorriso, a sua curiosidade pelo livro. O livro preferido dela e de Júlia, durante a adolescência e grande parte da sua juventude. Tinham-no lido e relido e conheciam o texto todo quase de cor, partilhando sempre a mesma cópia que acabara gasta e evidenciando anos de manuseio.

 

Júlia. Tinha-lhe perguntado sobre a sua relação com o irmão de Henrique, Eduardo, mas ela mostrara-se esquiva, murmurando apenas que era um conhecido da faculdade que necessitava de ajuda com uns trabalhos. Cecília não acreditara mas também não insistira. Estava demasiado cansada, demasiado triste e, agora, demasiado ocupada com o trabalho que tinha de preparar para a reunião em Paris. Quando voltasse, as coisas teriam de ser esclarecidas. Tudo mesmo. Até a sua relação com ela pois queria reaver a sua cumplicidade e amizade.

 

E Jane Austen?! E Anne Elliot?! Não conseguia deixar de pensar no pouco que lera, momentos atrás. Oh, Meu Deus, e se estivesse a cometer um erro tal como Anne? E se estivesse a dar ouvidos a outros em vez de ouvir o seu próprio coração e as palavras de Henrique? Eles tinham tudo para ser felizes. Tudo neles podia dar certo desde que não se perdessem pelo caminho. E, toda aquela situação era uma perdição para eles. Perder-se-iam um do outro e perderiam sobretudo um amor cuja essência e força dificilmente reencontrariam novamente. Tinha de agir. Tinha de lutar. Há evidentemente angústias profundas demais para serem vividas. E esta era uma delas. A angústia da separação, do amor perdido, da sensação de impotência. Escutou por momentos o coração dele e soube, como deveria ter sabido há já mais tempo, que ele preferiria o amor dela, a presença dela ao seu lado, do que uma vida de riqueza e desafogo financeiro.

 

Sentiu uma força desconhecida até então dentro se si. Eduardo e Bárbara que se cuidassem. Ela ia lutar por aquilo que era seu. E Henrique era seu. De corpo e alma. Assim como ela só a ele pertencia. De corpo e alma.

 

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