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Jane Austen Portugal

O Blogue de Portugal dedicado à Escritora

As minhas impressões sobre "A Abadia de Northanger"

 

Quando comecei a leitura deste livro vinha-me sempre à cabeça a frase do personagem masculino do filme "O clube de leitura de Jane Austen". Segundo aquele, esta obra era um mero ensaio de Jane Austen. Através dele a autora fez uma viagem de descoberta sobre o seu estilo. Aqui ainda não está defenido. Existiam dúvidas. Ou pelo menos parece havê-las. Creio que não se trata de uma verdadeira obra acabada. Foi com essa impressão que terminei a leitura deste livro.

 

Todavia, gostei do enredo. Gostei das personagens, principalmente de Henry Tilney. Adorei a inocência de Catherine e a sua incrível imaginação que ao longo do livro nos oferecem momentos de boa disposição e leveza. Catherine era uma peça em bruto que apenas precisava das mãos certas para se tornar numa obra de arte inteligente e delicada. E a sua transformação pela mão de Henry? Adorável. A forma como ele brincava com a sua inocência e simultaneamente a protegia não passam despercebidas. Convenceram-me logo. Ele conseguia aliar estes dois traços com perfeita elegância. Encantou-me a sua inteligência, a sua independência, o amor fraternal que nutria pela irmã e o respeito que, apesar das suas brincadeiras, tinha por Catherine. Era um homem vertical.

 

Ao longo da leitura, não fui capaz de me desligar de algumas frases proferidas por Henry que são dignas de registo e também algumas posições por ele tomadas. Atrevo-me a pensar que se tratavam de posições assumidas pela própria Jane Austen. Merece destaque uma nota interessante sobre romances versus história. Henry e Catherine falavam acerca de livros e do pouco reconhecimento dos romances que ela defendia em detrimento da leitura livros de história que causavam grande "tormento" às crianças. A discussão leva-os para o patamar da educação e Henry termina muito bem dizendo (...) Mas os historiadores não são os responsáveis pelas dificuldades na aprendizagem da leitura, e até mesmo a menina, que não me parece, no fundo, ser partidária de uma aplicação severa e intensa, pode vir a reconhecer que vale bem a pena ser atormentado por dois ou três anos da vida em prol de ser capaz de ler tudo o que falta. Imagine, se a leitura não fosse ensinada, a senhora Radcliffe teria escrito em vão ou até talvez nem o tivesse feito. Esta discussão é relevante no sentido de mostrar a preocupação que Jane Austen com a educação das mulheres. Ela conseguia alcançar as vantagens de esta existir no círculo feminino. É também Henry que afirma que ser-se sempre firme pode ser uma obstinação. E saber relaxar é o verdadeiro desafio. Ou, ainda, ser-se levado por conjecturas de segunda mão é uma pena. Mas a que mais me marcou foi sem dúvida esta: já ouvi falar em fiéis acções. Mas uma promessa fiel, a fidelidade de prometer! É uma palavrinha bem poderosa, pois pode muito bem decepcioná-la (ar) e magoá-la (ar).

 

Existe outra passagem que, no meu entender, consubstancia uma crítica feita tanto aos homens como às mulheres, o que não deixa de ser interessante. Diz a determinada altura a autora que as vantagens da tolice natural numa bela jovem já se encontram realçadas pela importante pena de uma companheira de escrita e, quanto à forma como trata do assunto, limito-me a acrescentar, fazendo justiça aos homens, que, embora para a maior e mais frívola parte deste sexo a imbecilidade nas mulheres seja considerada uma enorme vantagem para realçar os seus encantos naturais, existe um outro grupo bastante grande, suficiente e razoavelmente bem informado, que deseja algo mais numa mulher do que ignorância.

 

A crítica clara ao casamento por dinheiro está também presente nesta obra. Através de Catherine, Jane afirma que detesta a ideia de uma grande fortuna procurar outra grande fortuna. E considera que casar por dinheiro é a coisa mais ignóbil da existência.

 

Neste livro encontramos também, ainda que de forma sucinta e rápida, uma abordagem à política do país, o que me surpreendeu pelo facto de este ter sido escrito cedo. 

 

Mas a grande marca que este livro me deixa é a crítica aberta que Jane Austen deixa à literatura fantástica. A certa altura a autora mostra claramente a sua aversão por este tipo de escrita e aponta-lhe consequências pouco felizes. Diz que todo o sofrimento de Catherine resulta sobretudo da influência dos livros que até aí lera, afirmando que por muito encantadores que fossem os livros da senhora Radcliffe, e mesmo os livros dos que a imitivam, não era com certeza neles que a natureza humana devia ser procurada, pelo menos ali, nos condados centrais de Inglaterra.  (...) Mas na parte central de Inglaterra havia, com certeza, alguma segurança, mesmo para a vida de uma mulher que não fosse amada, conferida pelas leis da terra e os hábitos da época. O assassínnio não era tolerado, os criados não eram escravos, nem se arranjavam poções para dormir, como o ruibarbo, em todos os farmacêuticos.  A referência à natureza humana e à essência do ser humano são, para mim, o alicerce de todas as estórias de Jane Austen. Por isso acredito que este tenha sido um ensaio, muito bom, que Jane terá feito para definir a sua escrita e para sedimentar a estrutura que a iria sustentar. O resultado está à vista. Jane é uma escritora que fala sobre pessoas reais; sobre a sociedade e sobre sentimentos. E fá-lo bem. Com inteligência.

 

Eu adorei deste ensaio!

 

 

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